quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Contos Vampirescos

Isabelle

Fazia três anos que Isabelle havia desaparecido nas penumbras daquele bosque. Lembrava-me dos momentos de ternura e luxúria, que nós, amantes incansáveis, havíamos vivido. Naquelas noites, sem a minha amada, entregava-me aos prazeres do álcool. Matava as saudades na devassidão das visitas que Isabelle fazia-me, estas intermediadas pelas alucinações provocadas pelas longas doses de absinto misturadas ao ópio. Mas não encontrava satisfação nesses breves e irreais encontros. Amava Isabelle, queria minha musa de volta, em meu leito, envolta em meus braços.

Ninguém jamais encontrou sequer vestígios de fuga ou, até mesmo, óbito de Isabelle. Havia um ano que, vencido pelo cansaço, desistira de buscá-la em vão. Mas a angústia perturbava-me e puxando-me pelos punhos trazia-me novamente à boca maldita que engolira a minha amada. E numa destas tardes, enquanto escurecia e o céu chorava o sangue do ocaso primaveril, adentrei a imensidão verde daquele bosque.

E ali eu estava obsessivo, louco, com meus olhos vermelhos saltando das órbitas, cabelos desgrenhados. A vaidade e a lucidez haviam me deixado juntamente com Isabelle. A noite caiu e meus joelhos não agüentavam mais, tremiam, mesmo pelo pouco peso que carregavam, devido ao meu estado cadavérico. Num momento pensei ter ouvido estalidos de folhas e galhos, como passos próximos. Virei e olhei ao redor. Nada se via, apenas escuridão. A noite já ia alta e o céu tornara-se uma abóbada de estrelas, e a lua cheia e amarela parecia vigiar-me. Então eu vi! Eu vi uma sinuosidade entre as folhas. Um corpo esguio, uma forma voluptuosa de mulher que vinha em minha direção. Fiquei espavorido, e permaneci parado. Não conseguia mover sequer as pálpebras.

Era Isabelle. Não a minha Isabelle. Outra, não saberia como descrever. Seu rosto antes róseo agora estava pálido, e seus olhos antes alegres e pueris eram messalinos e cruéis. Neste momento, lembrei-me das doces palavras proferidas por Isabelle um dia antes de desaparecer. “Amor meu, serei eternamente tua. Atravessarei os tempos ao teu lado, enfrentarei a ira dos deuses para ser tua... Casar-me-ei contigo, mesmo com a maldição de meu pai. Fujamos! Amanhã, ao cair do sol, encontrar-te-ei na entrada do bosque, e então seremos felizes eternamente!”.

Dera-se agora o tão esperado encontro. Mas por onde Isabelle vagava por todo este tempo? Fitei-a com pavor e ela riu-se. Pude então ver seus alvos dentes afiados, que mordiam e rasgavam os rubros lábios em um sangrento sorriso. ”Aqui estás, meu amor. Vieste, tarde, mas vieste...”. “Mas o que houve contigo?”, indaguei. “Não me cabe explicar agora, mas nada poderá impedir que fiquemos juntos. Sou poderosa, e tornar-te-ei tanto quanto... Vê, sou imortal!”.

Um nosferatu! Minha Isabelle tornara-se um nosferatu! Como poderia? Amava-a, mas não àquele monstro! Fiquei absorto. “Não me queres?”. O que eu diria? Aquela não era Isabelle, era uma libertina do demônio! “Sim, quero-te, mas não hoje. Voltarei para casa agora, estou derrotado e cansado por tanto procurar-te. Recobrarei minhas forças, e estarei pronto para ser teu!”. “Até amanhã, não mais que isto!”. Ela beijou-me. Oh! Sangue nos gélidos lábios.

Não sabia por que havia prometido voltar. Talvez a paixão pela minha Isabelle, ou medo... Vampiros, dizia-se muito sobre eles naqueles tempos. Casos extraordinários, irreais para mim, até aquele aterrorizante momento. Ao chegar em casa refugiei-me mais uma vez no álcool e no fumo. Que asqueroso ser minha bela havia tornado-se! Seus trejeitos eram dignos de uma cortesã boêmia! Mas era Isabelle... Ou não?

Precisava tomar uma decisão. O que faria até o próximo pôr-do-sol? Não consegui dormir. O pavor transformou-se em insônia. De súbito, ergui o magro corpo em um salto. “Monstro maldito! O que fizeste com minha amada Isabelle? Não permitirei que perpetue este mal!”. Apanhei um punhal e uma antiga espada cravejada de pedras preciosas. Heranças de uma família decadente...

Durante as últimas horas que me restavam planejei destruir o maldito ser. Estava acabado, dilacerado. Teria que sacrificar o que restara de minha amada. Não sabia se teria forças para isto. O tempo passava, minha mente pesava... “Vingar-te-ei, amor meu, sei que não és tu naquele corpo, e sim uma mórbida criatura.” A ira e as lágrimas tomavam meu rosto magro.

A temida hora havia chegado. Estava mais uma vez na entrada do bosque. Caminhei um pouco entre os arbustos e olhei em volta. Nenhum sinal da criatura. Temi. Ela poderia estar observando-me e ao ver a espada em minhas mãos percebeu o que a esperava. “Que insanidade! Agora estou morto!” pensei. Mas Isabelle surgiu, e com um áspero sorriso dirigiu-se a mim. “Serás meu agora!”. ”Não serei, aberração do inferno! Não darás continuidade à tua maldita espécie, não através do meu corpo!”. Num segundo deferi um golpe de espada e decepei o pescoço de Isabelle. Sua cabeça rolou e por uns segundos olhou-me aterrorizada.

O fim havia chegado. Não restara mais nada de Isabelle, a não ser o corpo. Tomado pela dor e pela ira, arranquei-lhe o coração e apunhalei até desfazê-lo em pedaços. Livrei-me da horrenda cabeça: aqueles olhos malditos e a boca aberta de pavor enojavam-me. Olhei o corpo e lembrei-me das vezes que o toquei. Era o que restava de Isabelle. Não poderia deixá-lo... Levei-o rapidamente para casa. Era noite, mas havia perigo de ser pego por alguém. Cuidei do corpo da minha amada, limpei-o, vesti-o com trajes dignos de uma dama.

Sei que agora te perguntas: “O que aconteceu?”. Isabelle descansa em um esquife, num quarto isolado, onde ninguém poderá incomodá-la em seu sono de morte. Tratei de conservar-lhe o corpo. E agora, todas as noites, após intensamente amá-la, descanso em seu pálido seio sem vida.



Leila Soriano (2005)



terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Spleen - Parte 2

Mais uma vez me falta paciência e, muito mais do que isso, tempo para escrever coisas novas. Para contornar mais uma vez a situação, está aqui um poema antigo, da mesma época de melancolia... Um poema que eu defino como ultra-romantico hahaha. A fusão mórbida do amor e do ódio, em palavras que dilaceram!


Naquela Noite

Abraçaste meu indefeso corpo,
Teus braços eram serpentes,
Frias, como sede do meu sangue.
Naquela sombria noite
A lua chorava,
E suas lágrimas tornaram-se estrelas,
Estrelas não mais brilhantes
e ofuscantes que teus olhos.
Agora cospes veneno ardente sobre meu corpo
Que um dia fizeste teu altar
e adoraste como a um deus
Eu era tua vida e morte
Sentido de viver e morrer
Vê agora
Só te restou meu túmulo para profanares
Por que morri por ti,
em teus secos beijos de ódio e traição

Leila Soriano



domingo, 27 de janeiro de 2008

Spleen

Hoje eu estou sem paciência para pensar em algo... Por isso vou postar um poema meu antigo. Tempos de melancolia!


Não mais


Mas um dia se vai
e minha vida
se degenera aos poucos...
Devo desistir agora?
Não...mais tarde, quem sabe?
Minha esperança se esvai,
como petálas de rosa ao vento...
pétalas vermelhas do meu sangue
que será derramado,
pelas minhas próprias mãos...
sangue jorrado, que fará brotar ódio
e tristeza...
Porque fui triste e odiei a mim,
torturei meu corpo e minha mente
com lembranças de uma vida desperdiçada...
O destino me trouxe
ao meu próprio reflexo no espelho,
mas quem está ali não sou eu...
Quem é?
Não há respostas...e talvez, nem perguntas...
Existem apenas sentimentos,
rancores de um coração despedaçado...
Gritos rompem o silencio,
e o que ouço é minha voz...
Pensamentos mórbidos,
vozes, vultos,melancolia, lagrimas...
A noite acaba,
o sono vem...
e com ele sonhos,
e um desejo:
que o amanhã nunca chegue!
Não mais...

Leila Soriano
08/06/05

Silêncio (Fuseli )

sábado, 26 de janeiro de 2008

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Minha flor do deserto



Eu queria ver a noite estrelada. Há muito tempo eu não vejo noites estreladas. Nem sem estrelas. Nem noites. Um torpe dirá: "Olhe para o céu neste momento, e verás... ". Sobriamente eu responderei: "Tens razão...". Serei parcimoniosa com minhas palavras. Os tolos vêem com os olhos, nunca entenderão sobre minhas noites estreladas. Mas de certo que não as vejo ainda que olhe para o céu, elas não estão... elas não são.
Mas eu vejo algo além do oceano, não com meus olhos, mas com minha pele, onde toca a brisa do mar. O vento sopra a areia em meus olhos, areia de um lugar distante. É lá onde eu estou. Vagando, como um nômade, pelo deserto. Ele está onde não se pode encontrar. Mas eu vejo suas dunas castanhas, sinto o cheiro da areia, amargo o castigo do sol. O vento ainda sopra a areia, que dança pelo deserto. A areia é o tempo. As imensas dunas me provam que é tempo demais. Há quanto estou vagando pelo deserto? Aqui é sempre dia. E é sempre dia da dança do tempo. Mas é tempo de partir. É tempo de buscar, e o que eu busco é a vida. No deserto a vida é o oasis. Agora sigo, não sei quantas dunas ainda virão. Quero encontrar e contemplar a minha flor do deserto, e ela retornará ao seu verdadeiro lugar, em minha alma . E quando findar minha jornada já não será eternamente dia. E eu verei a noite. E as estrelas!