Isabelle
Fazia três anos que Isabelle havia desaparecido nas penumbras daquele bosque. Lembrava-me dos momentos de ternura e luxúria, que nós, amantes incansáveis, havíamos vivido. Naquelas noites, sem a minha amada, entregava-me aos prazeres do álcool. Matava as saudades na devassidão das visitas que Isabelle fazia-me, estas intermediadas pelas alucinações provocadas pelas longas doses de absinto misturadas ao ópio. Mas não encontrava satisfação nesses breves e irreais encontros. Amava Isabelle, queria minha musa de volta, em meu leito, envolta em meus braços.
Ninguém jamais encontrou sequer vestígios de fuga ou, até mesmo, óbito de Isabelle. Havia um ano que, vencido pelo cansaço, desistira de buscá-la
E ali eu estava obsessivo, louco, com meus olhos vermelhos saltando das órbitas, cabelos desgrenhados. A vaidade e a lucidez haviam me deixado juntamente com Isabelle. A noite caiu e meus joelhos não agüentavam mais, tremiam, mesmo pelo pouco peso que carregavam, devido ao meu estado cadavérico. Num momento pensei ter ouvido estalidos de folhas e galhos, como passos próximos. Virei e olhei ao redor. Nada se via, apenas escuridão. A noite já ia alta e o céu tornara-se uma abóbada de estrelas, e a lua cheia e amarela parecia vigiar-me. Então eu vi! Eu vi uma sinuosidade entre as folhas. Um corpo esguio, uma forma voluptuosa de mulher que vinha em minha direção. Fiquei espavorido, e permaneci parado. Não conseguia mover sequer as pálpebras.
Era Isabelle. Não a minha Isabelle. Outra, não saberia como descrever. Seu rosto antes róseo agora estava pálido, e seus olhos antes alegres e pueris eram messalinos e cruéis. Neste momento, lembrei-me das doces palavras proferidas por Isabelle um dia antes de desaparecer. “Amor meu, serei eternamente tua. Atravessarei os tempos ao teu lado, enfrentarei a ira dos deuses para ser tua... Casar-me-ei contigo, mesmo com a maldição de meu pai. Fujamos! Amanhã, ao cair do sol, encontrar-te-ei na entrada do bosque, e então seremos felizes eternamente!”.
Dera-se agora o tão esperado encontro. Mas por onde Isabelle vagava por todo este tempo? Fitei-a com pavor e ela riu-se. Pude então ver seus alvos dentes afiados, que mordiam e rasgavam os rubros lábios em um sangrento sorriso. ”Aqui estás, meu amor. Vieste, tarde, mas vieste...”. “Mas o que houve contigo?”, indaguei. “Não me cabe explicar agora, mas nada poderá impedir que fiquemos juntos. Sou poderosa, e tornar-te-ei tanto quanto... Vê, sou imortal!”.
Um nosferatu! Minha Isabelle tornara-se um nosferatu! Como poderia? Amava-a, mas não àquele monstro! Fiquei absorto. “Não me queres?”. O que eu diria? Aquela não era Isabelle, era uma libertina do demônio! “Sim, quero-te, mas não hoje. Voltarei para casa agora, estou derrotado e cansado por tanto procurar-te. Recobrarei minhas forças, e estarei pronto para ser teu!”. “Até amanhã, não mais que isto!”. Ela beijou-me. Oh! Sangue nos gélidos lábios.
Não sabia por que havia prometido voltar. Talvez a paixão pela minha Isabelle, ou medo... Vampiros, dizia-se muito sobre eles naqueles tempos. Casos extraordinários, irreais para mim, até aquele aterrorizante momento. Ao chegar em casa refugiei-me mais uma vez no álcool e no fumo. Que asqueroso ser minha bela havia tornado-se! Seus trejeitos eram dignos de uma cortesã boêmia! Mas era Isabelle... Ou não?
Precisava tomar uma decisão. O que faria até o próximo pôr-do-sol? Não consegui dormir. O pavor transformou-se
Durante as últimas horas que me restavam planejei destruir o maldito ser. Estava acabado, dilacerado. Teria que sacrificar o que restara de minha amada. Não sabia se teria forças para isto. O tempo passava, minha mente pesava... “Vingar-te-ei, amor meu, sei que não és tu naquele corpo, e sim uma mórbida criatura.” A ira e as lágrimas tomavam meu rosto magro.
A temida hora havia chegado. Estava mais uma vez na entrada do bosque. Caminhei um pouco entre os arbustos e olhei
O fim havia chegado. Não restara mais nada de Isabelle, a não ser o corpo. Tomado pela dor e pela ira, arranquei-lhe o coração e apunhalei até desfazê-lo
Sei que agora te perguntas: “O que aconteceu?”. Isabelle descansa em um esquife, num quarto isolado, onde ninguém poderá incomodá-la em seu sono de morte. Tratei de conservar-lhe o corpo. E agora, todas as noites, após intensamente amá-la, descanso em seu pálido seio sem vida.
